Na última segunda-feira, o Superior Tribunal de Justiça- STJ promoveu audiência pública para discutir validade da cláusula contratual de plano de saúde coletivo que prevê reajuste por faixa etária.
A discussão foi dividida em oito painéis, com participação de representantes de entidades como o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a União Nacional das Instituições de Autogestão da Saúde (Unidas), dentre outros.
O Defensor Público da União- Edson Rodrigues Marques defendeu que a atual política de reajustes das operadoras acaba por gerar a exclusão dos idosos do sistema de saúde suplementar “Nós temos diferenças entre 49 até os 69 anos de 600%. Mais de 600% de diferença de preço, tratando o idoso como um cliente indesejado. O idoso passa a ser, neste aspecto, forçado a sair do plano de saúde.” Segundo ele, essa política de reajuste afeta não somente os beneficiários dos planos de saúde, mas também aqueles que estão no sistema único de saúde que acaba sobrecarregado com a saída de usuários idosos dos seus planos por não poderem arcar com os custos.
No mesmo sentindo, Fabiano de Morais, membro do Ministério Público Federal destacou a importância de se respeitar as normas regulamentadoras e evitar percentuais desarrazoados, Morais destacou a importância de existir uma diluição de reajuste entre todas as faixas etárias. O Defensor Público do estado de São Paulo, Rafael Munerati, afirmou que a análise fria dos dados deixa de lado a realidade dos segurados, segundo ele muitas vezes, legalmente, tecnicamente e normativamente o reajuste parece ajustado, de fato, mas se torna abusivo para determinada pessoa que não estava preparada para aquele aumento.
Ainda do ponto de vista do beneficiário, Ana Carolina Navarrete, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor- IDEC, defendeu que os julgadores devem sempre analisar a hipossuficiência dos beneficiários na relação do contrato de plano de saúde, principalmente ao ônus da prova, destacou que embora o número de beneficiários de planos de assistência tenha sofrido uma leve queda desde 2014, os valores recebidos de contraprestações têm aumentado e isso se deve a elevação no percentual de reajuste. Para Navarrete, embora a matéria seja regulada ainda há muita liberdade para as operadoras aplicarem os reajustes e isso se reflete na falta de convergência no momento de precificar as faixas etárias, principalmente nas últimas e consequentemente na judicialização “A judicialização é sintoma, não problema”.
Para enriquecimento do debate, o Ministro Sanseverino ouviu pesquisadores e economistas do tema. Para a Professora e pesquisadora, Paula Moura, os reajustes não contradizem as normas estabelecidas pelos contratos, mas devem ser analisados à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, solidariedade e equilíbrio contratual. Para ela, a Nota Técnica produzida por profissional habilitado e legitimada pela ANS possui presunção de legalidade e deve ser analisada sobre esse aspecto no momento da produção probatória.
O pesquisador e professor do grupo de estudos da USP, Mário César Scheffer, destacou o aumento da judicialização do setor de saúde suplementar o que, segundo ele, existem lacunas legislativas que devem ser acertadas pelo poder público. Scheffer pontuou que a ANS não tem sido diligente para coibir os abusos contra os consumidores- principalmente os mais idosos- o que acaba por gerar uma expulsão destes do mercado. Afirmou que cabe ao judiciário, agora, reforçar os valores constitucionais de defesa do consumidor e do idoso.
O aspecto econômico da matéria também foi colocado em pauta, para a professora, Dra. Luciana Yeung do Insper, os julgadores devem considerar que esta decisão afetará não somente aqueles que estão envolvidos nos contratos de planos coletivos, mas também aqueles que estão fora dele, principalmente os idosos que dependem do sistema público de saúde “O impacto é sistêmico”, afirmou. Yeung destacou alguns impactos imediatos caso a decisão seja favorável ao beneficiário, entre eles, aumento nos valores dos planos de saúde, ameaça a sustentabilidade do sistema, oneração do sistema público de saúde. No mesmo sentindo, José Cechin do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, apresentou dados que comprovam que os idosos, embora sofram os maiores percentuais de reajuste não pagam efetivamente pelo que utilizam; há um déficit na prestação e no custo, segundo Cechin o preço do plano é caro comparado com a renda dos beneficiários idosos, mas é um preço justo se comparado com o custo médio e frente aos tratamentos ofertados.
Sobre o ponto de vista mais técnico da matéria, a Dra. Raquel Marimon do Instituto Brasileiro de Atuária explicou de que maneira o cálculo atuarial é realizado observando as normas estabelecidas pelo órgão regulador, bem como o pacto intergeracional e o mutualismo dos contratos. Para Marimon, um reajuste equilibrado entre as faixas etárias é fundamental para o setor de saúde suplementar uma vez que reflete em mais ofertas e mais interessados. Rodolfo Nogueira da Cunha – ANS pontuou sobre a validade da Nota Técnica e da cláusula contratual que prevê o reajuste por faixa etária. Destacou a previsão legal e infralegal que possui o reajuste por faixa etária e tem como objetivo adequar o valor da mensalidade ao risco do beneficiário para garantir, assim o pacto intergeracional e a consequente estabilidade dos produtos, a perenidade dos mercados e a assistência.
As operadoras e entidades de classe também se fizeram presente no debate, o Dr. José Carlos Van Cleef da SulAmérica Saúde, destacou a importância das operadoras em cumpri uma função social de garantir a saúde suplementar e que se deve levar em consideração que a idade é o único fator considerado para o cálculo atuarial, bem como que as regras de reajuste são definidas previamente e justificados pela ANS o que impede a operadora de distribuir percentuais aleatoriamente. Em consonância, os economistas da Fenasaúde-Sandro Leal Alves e da Abramge- Marcos Novais, destacaram que é imprescindível levar em consideração a utilização do plano por faixa etária no momento de definir o reajuste e que quanto maior o risco, deverá ser maior o preço de acordo com critérios técnicos.
Bruna Duque, advogada da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), destacou que o reajuste por faixa etária possibilita o equilíbrio dos planos e que a sua proibição poderia tornar a atividade inviável.
Os patronos do RESP 1.721.776/SP, recurso cadastrado no tema 1016 em discussão, Rafael Robba e Marcos Paulo Falcone Patullo, defenderam que não existem critérios objetivos para o controle de abusividade nos reajustes por faixa etária nos planos coletivos e, segundo ele, não se pode negar as falhas regulatórias por parte da ANS que em muitas situações é incapaz de identificar os abusos.
Para Marcos Patullo a Resolução Normativa 63 não é clara e acaba legitimando reajustes abusivos para os beneficiários mais idosos. Segundo ele, apesar da norma prevê um monitoramento constante do mercado, isso de fato não ocorre o que causa prejuízo aos consumidores.
Como última contribuição, o membro da comissão de Direito Securitário da OAB do Rio de Janeiro , Márcio Viera Souto ressaltou a presunção de legalidade da Nota Técnica, porém afirmou que o ônus da prova dever ser analisado à luz do artigo 373 do Código de Processo Civil, para ele, desde que o consumidor seja adequadamente informado sobre os critérios considerados para fixação do reajuste, o debate sobre a validade da prova é descabido. Vieira defendeu também a aplicação do mesmo entendimento do Tema 952 do julgamento de recursos repetitivos para os planos coletivos.
A Audiência Pública foi encerrada pelo Ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino que agradeceu o empenho de todos dos participantes e destacou o nível técnico dos debates e as peculiaridades da questão.
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